Dia dos Avós: carinho que conforta e embala o coração

Em tempos de pandemia, o distanciamento social necessário para conter o novo coronavírus acabou por embutir um sacrifício de difícil contorno aos núcleos familiares: é que, como a maioria dos avós se encontra após a baliza dos 60 anos – idade a partir da qual, no que diz respeito à Covid-19, considera-se do grupo de risco – o contato com os netos, claro, passou a ser visto com muita cautela, ou mesmo desaconselhado (e isso desde meados de março). Como já se ultrapassou o marco de quatro meses de confinamento, a distância torna-se ainda mais pungente, ainda que algumas famílias tenham encontrado formas criativas para driblar a saudades – algumas das quais serão replicadas neste domingo, quando Brasil e Portugal celebram o Dia dos Avós.
Aos 87 anos, dona Otília Gonçalez Ferreira vem tendo a saudade da neta Janaína Oliveira e de sua bisneta Yasmin, 2, aplacada por iniciativas como o envio de vídeos via smartphones. Recentemente, ela recebeu o de Yasmin cantarolando “Beijinho Doce”. “E ela sabia a letra toda de cor”, orgulha-se Otília, que, desde o advento da quarentena, teve a oportunidade de se encontrar presencialmente com Yasmin em apenas duas oportunidades – em ambas, cercada por todo o protocolo recomendado pelas autoridades sanitárias para situações afins. Na primeira, Yasmin e dona Otília se viram por meio da grade da janela. “Ela ficou assim, sem entender. Não falou nada, só ficou rindo, mas, na hora de ir embora, chorou”, narra Otília. Na segunda oportunidade, Yasmin interagiu mais com a progenitora.
A publicitária Vanda Rangel, 63, confirma que o início da pandemia trouxe um estranhamento na rotina familiar, tendo-a alijado de um contato mais frequente com a neta Clara, 6. “Não que a gente tivesse um contato de se ver todo dia, já que os pais trabalham , ela já está em idade escolar. Mas sempre tivemos uma relação estreita. No entanto, diante da gravidade da situação, e do temor que tomou conta de todos nós, a gente se aquietou na sensação de que isso tudo ia passar. Tudo isso foi trabalhado com ela, explicado, até mesmo a questão de não sair”, reflete.
Já com a quarentena em curso, veio uma sequência de aniversários na família. “Primeiro o dela, na sequência o meu, o do pai, o da mãe… Tudo comemorado virtualmente”. Mas, com a extensão da quarentena para além das expectativas iniciais, a solução vista foi um encontro num sítio. “Poucas pessoas, sem beijos nem abraços. Exatamente pela demora, percebemos que a Clara já estava no seu limite. Os pais trabalham com tecnologia, portanto, em trabalho remoto, ficavam o tempo todo nos computadores, e ela parecia sempre dizer ‘me olhem aqui’. Mas tomamos todos os cuidados, mesmo porque,  a minha mãe tem 92 anos, então, eu realmente não estava saindo de casa. Lá, no sítio, ela pôde estar até fazendo as mesmas coisas que no apartamento, como brincar com suas bonecas, mas tem terra, água, varanda, espaço para correr… Você sente a criança dizer: ”Eu saí de casa’, enumera.
Psicóloga, psicanalista e professora da Faculdade de Medicina da UFMG, Gabriella Cirilo confirma a importância dos avós na vida dos netos, pelo fato de terem o potencial de auxiliar no desenvolvimento da criança, “já que essa passa a conviver com novas referências, além dos pais, aprendendo com a sabedoria que um idoso pode transmitir”. Na verdade, ela pondera que essa interação permite um ganho mútuo entre a criança e o idoso, “pois este pode também aprender e experimentar novas vivências junto aos netos”. No entanto, Gabriella faz uma ressalva: “Digo isso sobre relações saudáveis, pois não é porque existe um parentesco que venha a ser uma relação positiva (entre avós e netos)”.
 Autora do livro “Avó Amarela” (2018), que já arrebanhou prêmios como o Jabuti, a escritora Júlia Medeiros credita muito do sucesso da obra ao fato de abordar uma relação que, diz, é geralmente pontuada por um “um afeto fortíssimo”. O que ela viveu na pele, com as duas avós. “Minhas avós eram muito diferentes uma da outra, e muito marcantes, as duas. Como o convívio com elas acontecia muito na casa delas, as visitas eram sempre um processo de imersão, como se elas fossem também aqueles lugares que habitavam e aquilo tudo começasse a ir morando dentro de mim. Essa incursão neste universo estético, rítmico e íntimo, de uma outra pessoa, eu acho que é sempre muito forte, e na infância, é avassalador, essa relação netos e avós. Então acho que existe uma tensão entre estranhamento e familiaridade, que permite que a gente seja espectador e ao mesmo tempo personagem daquelas cenas familiares, afetivas. Eu não sabia, mas acho que o meu convívio com elas já era literário. E quando sentei para escrever prosa da primeira vez, esse registro veio muito forte e eu não tive muita escolha, não. Ele veio”, esclarece.
Júlia reconhece que, nesta pandemia, nem os seus filhos (Theo, 8, e Tomé, 4), nem os avós, nem ela e o marido estão gostando “dessa história de não encontrar”. Por outro lado, por prudência, ela reconhece que realmente o contato agora, para acontecer, deve ser mesmo só em caso de muita necessidade. Não por outro moitov, seus filhos e os avós se falam por chamada de vídeo – e com bastante frequência. “Vez ou outra, ele svêm aqui, no portão de casa, com máscara, rapidinho. Meus filhos estão morrendo de saudades dos avós, porque eles são muito presentes, muito queridos e muito especiais. O coração fica apertadinho, é um dó mesmo, mas acho que o amor sempre dá um jeito de driblar as distâncias e se fazer presente. Então, por um lado, o abraço faz uma falta grande, mas, por outro, a gente tem vistos manifestações de afeto que também não aconteciam antes. Acho que é isso, a gente vai tentando driblar a distância contando com a força do amor para dar conta de seguir até o momento que seja seguro para todo mundo estar junto”, afiança.
Cegonha na pandemia. E quando nasce um neto em meio à pandemia? Foi o que aconteceu com a aposentada Aparecida Conceição Sergio, 76. Há dois meses, sua filha, Silvânia, deu à luz Gabriel. Não bastasse, exatemente dois meses antes, ou seja, quatro meses atrás, a neta Carol se tornou mãe de Guilherme – bisneto, pois, de Aparecida. No caso delas, em vez de a pandemia ter colocado um ponto final nos sonhos de conviver com os bebês, aconteceu justamente o contrário: para proteger Aparecida e os bebês, as cinco resolveram ficar mais próximas, passando o dia juntas. Os demais familiares, sim, estão prudentemente mais afastados. E como Aparecida se sente? “É maravilhoso, fico em tempo de explodir de alegria. Às vezes, o Guilherme acorda no meio da noite, e lá estamos nós, às 4h da manhã, brincando”, diz ela, que lamenta apenas não ter o pique de antes. A psicóloga Gabriella Cirillo entende que, sim, em contexto de pandemia, é possível que a presenças dos avós seja benéfica: “Caso esses consigam lidar bem com a criança e, de alguma forma, ajudar os pais nos cuidados, principalmente durante o período de isolamento”.
Outra que está atravessando a pandemia junto com a filha e a neta é Gislaine Simões. Ao contrário das outras vovós mostradas na reportagem, a autônoma não está no chamado grupo de risco por conta da idade: ela tem apenas 41 anos. Sim, Gislaine foi mãe aos 20, mesmo idade em que sua filha também engravidou. “Minha filha está noiva e continua noiva. Mas mora comigo. Deve continuar morando, agora, por uns dois anos”, diz.
Sobre a estreia como avó, neste 2020, ela diz: “Olha, você está fazendo uma entrevista com uma avó apaixonada. Meu celular tem mais de 9.000 fotos, não cabe mais! Meu Instagram virou um perfil de avó. Nunca tirei tanta foto na minha vida”, diverte-se. Ainda assim, ela faz uma interessante explanação. “Eu, desde o início, ao saber que ia ser avó, sempre deixei claro que não seria mãe da minha neta, que não iria interferir na educação, que iria ajudar a cuidar, mas sem estragar, sem fazer todas as vontades dela. Claro que a gente mima muito, dá para os netos o que não conseguiu dar para os filhos, mas há um limite que é respeitar a maternidade, respeitar as decisões da mãe, sem tirar dela a autoridade e sem interferir na educação”.
No que tange à efeméride do Dia dos Avós, Gislaine acredita que a pandemia deve até fortalecer a data. “Acho que é uma oportunidade para valorizar essas pessoas. Precisamos tratar bem demais nossos avós! Eu mesma me apaixono por todas as avós que conheço, porque todas demonstram um carinho sem igual por seus netos, e isso conquista a gente”, conclui.

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